Amauri Tonussi escreveu:
Menina Márcia,
certamente que me lembro de sua primeira comunicação, em que você dizia estar publicando em uma antologia da qual participava também um poeta de que gosto muito, o Ledo Ivo. Aquele e-mail chegou em momento particularmente difícil, e eu não pude mesmo ler seus escritos, embora não tenha esquecido deles de forma alguma.
Pois foi com grande prazer (mesmo!), que li sua homenagem à Leila Míccolis. O de que mais gostei foi da simplicidade de expressão – fato muito pouco usual na poesia, e que a mim parece essencial a qualquer bom poema. A complicação ou a frase retorcida subtraem (mais que isso, roubam) o estado de poesia que o escritor deseja obter.
Outra qualidade que me chamou muito à atenção foi o fato de que seus versos contêm poesia. Parece óbvio, mas não é. Manuel Bandeira apontou muito esse fato; escrevem-se milhares de poemas, mas pouco são os que efetivamente contêm poesia, isto é, atingem o leitor de modo que o texto lido deixa de ser mera comunicação de idéia e abrem portas secretas de transcendência.
Veja seus últimos 2 versos; eles, entre outras coisas, têm base em uma idéia primária, que poderia ser dita assim:
Na vida nem tudo passa. Mas mesmo que tudo passasse, Leila, tu ficarias.
Na frase acima, a idéia permaneceu, mas despida de poesia. Tratar-se-ia de um enunciado sem ressonância, que se esgota no sentido mais imediato que pretende comunicar.
Quando você escreve
Se na vida tudo passasse,
Leila, tu ficarias! ,
a idéia acima expressa (sem poesia), torna-se portal aberto à comunicação de estados e situações que estão muito além dela. Por exemplo: toca-se na idéia de que a maioria das coisas, na vida, é passageira, e isso traz sentimento de perda a quem percebe tal fato. Outra idéia: na vida nem tudo passa, mas é preciso empreender um esforço de lucidez para perceber que as coisas não são exatamente como parecem. Ainda outra: atentando-se bem para a incômoda sensação de que as coisas passam e se perdem – e sendo afrontado pelo dano existencial que isso causa – é possível entrever que há seres/ou coisas que resistem a esse movimento migratório de abandono de tudo o que existe. Isso está estampado na existência (e na permanência) de Leila. Portanto, ela é uma espécie de contra-fluxo do que existe, particularmente das coisas negativas que são a maioria do que existe, e que são as coisas que passam. Aí está outra coisa bela em seu texto, pois “Leila” não é uma pessoa, mas um símbolo de resistência da beleza, do permanente, do que não nos é roubado a cada dia.
Mas deixemos de lado essas elucubrações. O que quero mesmo dizer é que gostei de seu texto e que espero que você faça muitos e muitos e muitos mais assim.
Grande beijo,
Amauri
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