sexta-feira, 28 de outubro de 2011

31 de outubro: Dia D Drummond



Em 31 de outubro de 1902 nascia, em Itabira do Mato Dentro - MG, Carlos Drummond de Andrade, que ganha um "Dia D" em sua homenagem na próxima segunda-feira.

Vamos nos juntar a esta homenagem e ler alguns de seus poemas. No final, um vídeo de "Poema de sete faces" na voz de Paulo Autran.


A falta que ama
Carlos Drummond de Andrade


Entre areia, sol e grama
o que se esquiva se dá,
enquanto a falta que ama
procura alguém que não há.

Está coberto de terra,
forrado de esquecimento.
Onde a vista mais se aferra,
a dália é toda cimento.

A transparência da hora
corrói ângulos obscuros:
cantiga que não implora
nem ri, patinando muros.

Já nem se escuta a poeira
que o gesto espalha no chão.
A vida conta-se inteira,
em letras de conclusão.

Por que é que revoa à toa
o pensamento, na luz?
E por que nunca se escoa
o tempo, chaga sem pus?

O inseto petrificado
na concha ardente do dia
une o tédio do passado
a uma futura energia.

No solo vira semente?
Vai tudo recomeçar?
É falta ou ele que sente
o sonho do verbo amar?


Para Sempre
Carlos Drummond de Andrade


Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.


terça-feira, 11 de outubro de 2011

Cantiga de muito longe para Caio Martins

© Luiz de Miranda



(Img: Mare Serenitatis, Inga Nielsen)


Queria te falar do amanhecer
nestes fundos anos de silêncio
onde haveria a poesia
a órbita astral de teus olhos
de luminosa tristeza
a palidez aquosa
dos teus olhos feitos de estrada

Onde andará a sombra
da tua ternura
para me encontrar na vida
ávida
e te apertar em vinho
num brinde ao amanhecer
e renascer na solidão
que a distância
escreve na luz.

Queria te falar do amanhecer
nestes fundos anos de silêncio
mas onde andará tua mão
de amigo e poema
a revelar noutro caminho
o mágico estalar das palavras.

sábado, 1 de outubro de 2011

Ruth Escobar, por Isabel Vasconcellos















A lembrança mais marcante que tenho de Ruth Escobar – respeitada, é claro, toda a inestimável contribuição que ela tem dado à cultura brasileira, ao teatro e à luta política das mulheres – é a de uma reunião num partido político, há muitos anos atrás, onde ela disse que as mulheres se negavam a ir à política porque consideravam-na “suja” demais. No entanto – dizia ela – é preciso que as mulheres tomem coragem e metam a mão na merda.

Ruth era conhecida, no tempo da Ditadura, pelos censores, como “a portuguesa louca”. Ela tinha um burro, que ficava em seu teatro, a quem chamou de “Ernesto” , o mesmo nome do General Geisel, que ocupava a presidência do país por eleição indireta e fazia as vezes de ditador. Juca Chaves também ironizava Geisel, de origem germânica, dizendo que o Brasil era governado por um pastor alemão.

Maria Ruth dos Santos nasceu no Porto, filha de uma costureira e pai desconhecido. Veio para o Brasil aos 18 anos, em 1951. Casou-se com o dramaturgo, Carlos Henrique Escobar e, com ele, foi para a França em 1958,estudar interpretação.

Ao voltar ao Brasil, Ruth montou sua própria companhia teatral e, em 1964, tinha um "teatro" num ônibus e levava as peças ao povo mais pobre da perfireria paulistana. É de 1964 também a fundação do Teatro Ruth Escobar, um marco na história cultural da cidade.

Separou-se de Escobar e se casou com Wladimir Cardoso, um arquiteto que acabou se tornando o seu cenógrafo.
“Cemitério de Automóveis”, em 1968 e “O Balcão” de Jean Genet, são montagens teatrais que elevam o nome de Ruth às alturas no cenário nacional. "O Balcão" levou todos os prêmios daquele ano.

Nos anos 1970 o teatro brasileiro cresceu. Mas com peças vazias, de puro entretenimento e que apostavam sua bilheteria na presença, em cena, de astros da televisão. Mas não foi assim no Ruth Escobar, que continuava a apresentar peças de primeiríssima linha.

Durante toda a Ditadura Militar, Ruth e seu teatro sofreram atentados, ameaças de bombas, até de assassinato. Em vez de se apavorar, Ruth continuava produzindo, discursando na rua e invadindo gabinetes de autoridades para protestar contra o regime militar, isso numa época que ninguém ousava reclamar nem da fila do banco.

Na década de 1980 o teatro ficou em segundo plano na sua vida. Agora, a bola da vez era a política. Ruth foi eleita deputada estadual por duas vezes consecutivas e, em 1985, tornou-se a primeira presidente do recém criado Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.

Lançou o livro “Maria Ruth – Uma Autobiografia”, em 1987, reafirmamdo sua postura de vanguarda e mostrando que toda a sua atividade cultural está ligada ao seu pensamento político.

Voltou ao Teatro em 1990, produzindo sucessos internacionais.

Mais tarde, em 1997,vendeu seu teatro à Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo (apetesp), casou-se com um americano e foi morar nos States.

Quando voltou, comprou uma briga feia para reaver o teatro.

Ruth teve cinco filhos, de três casamentos diferentes.

Em 2000, recebeu o diagnóstico de Alzheimer. Em 2006 foi interditada judicialmente por uma filha, que temia os aproveitadores que poderiam arrancar de uma Ruth já não tão lúcida todos os seus bens.

Hoje seus bens estão indispníveis por ordem judicial e ela, sem recursos, é obrigada a recorrer ao SUS para tratar de sua saúde debilitada. Dizem que a justiça é cega.

Isabel Vasconcellos é escritora, jornalista, produtora e apresentadora de Rádio e TV