segunda-feira, 11 de junho de 2007

Poema de Soares Feitosa



NO CÉU TEM PROZAC

Para Francisco, quatro anos, Brasil, Seca do 93; ele partiu depois de perguntar à mãe se no Céu tem pão.


Sob a ira de Zeus,
o monge balbucia,
entoam-se os mantras sagrados,
aperta-se o cilício,
o globo se equilibra,
em peripécia
e gira.

Adiam-se-lhe os minutos,
ao gesto do amor,
sacrifícios e devoções:
êxtase de Margarida,
êxtase de Madre Teresa,
êxtase do Cura D’Ars,
êxtase da irmã Dulce;

gira e gira,
sustida em piedade, Colunas de Hércules,
Atlas da Fé — a destruição merecida —,
gira e gira — adiada —
a serviço do mal,
sob o império do mal,
o mundo gira e gira...
Os santos vigiam e guardam, só eles:
vigiai e orai!

— Mãe, no céu tem pão?


Pois nem só de pão vive o homem:
há que ter pão, do céu,
ao espírito;
há que ter pão, em cima da mesa,
aos escolhidos;
há que ter pão, debaixo da mesa,
aos enjeitados;
sempre existirão pobres convosco,
migalhas a Lázaro;
ao banquete, as libações:


— Saúde, muita saúde, Coronel!


Tem, filhinho, muito pão,
pão-doce, pão-seco, muito pão,
.................. aquele,
............................ bem gostoso .........................
................................................................................ durma, filhinho,
amanhã, deixo você brincar...
Durma, meu amor.


Auriverde pendão de minha terra,
que a brisa do Brasil beija e balança...
Famintas do meu Brasil
precisam sonhar com um pão,
as crianças, às portas do Céu,
para entrar no Céu;
verás, infante,
não há país como este;
em se plantando, ó Caminha,
sim, plantaram,
plantaram nas algibeiras,
onanistas do metal;
plantaram fora, nas Flóridas,
plantaram no sigilo, Gstaad,
plantaram a mandioca,
sob a Floresta, sobre o calcário, no pampa imenso,
vinte centímetros, dizem,
cobriria a Cisplatina,
aterraria o Prata...

Em se plantando, seu Caminha,
o que dá, não dá;
o que deu, não deu,
nunca deu...!
o que deu, o gato comeu;
o que sobrou, o rato roeu.


Tem mesmo, mãe, tem...
verdade,
lá,
no céu,
tem pão?

(Em tom de ninar, em voz só de mãe):

Desce gatinho,
de cima do telhado,
para ver o Francisquim
dormir bem sossegado...

Desce, gatinho,
de cima do telhado,
para ver o Francisquim
dormir bem sosssegado...


Adormeceu ...................................... :


Dormiu.


Causa mortis:
inanição,
morte.


E dormimos,
todos,
o sono dos justos:


In,
in memoriam;
in,
infamiam;
in,
injustitiam:

Prozac!


Salvador, boca de noite de 12.7.1994

(Poema publicado com a autorização do autor)

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