quinta-feira, 15 de maio de 2008

Crônica de Rosa Pena


Isto é virtual?

© Rosa Pena

Entro apressada e com muita fome na confeitaria. Escolho uma mesa bem afastada do movimento, pois quero aproveitar a folga para comer e passar um e-mail urgente para meu editor. Peço uma porção de fritas, um sanduíche de rosbife e um suco de laranja.Abro o laptop. Levo um susto com aquela voz baixinha atrás de mim.

— Tia, dá um trocado?

— Não tenho, menino.

— Só uma moedinha para comprar um pão.

— Está bem, compro um para você.

Minha caixa de entrada está lotada de e-mails. Fico distraída vendo as poesias, as formatações lindas. Ah! Essa música me leva a Londres.

— Tia, pede para colocar margarina e queijo também.

Percebo que o menino tinha ficado ali.

— Ok, vou pedir, mas depois me deixa trabalhar. Estou ocupadíssima.

Chega minha refeição e junto com ela meu constrangimento.
Faço o pedido do guri, e o garçom me pergunta se quero que mande o garoto “ir à luta”. Meus resquícios de consciência me impedem de dizer sim.
Digo que está tudo bem, que o deixe ficar e traga o pedido do menino.

— Tia, você tem internet?

— Tenho sim, essencial ao mundo de hoje.

— O que é internet?

— É um local no computador, onde podemos ver e ouvir muitas coisas, notícias, músicas, conhecer pessoas, ler, escrever, sonhar. Tem de tudo no mundo virtual.

— E o que é virtual?

Resolvo dar uma explicação simplificada, na certeza de que ele pouco vai entender e vai me liberar para comer minha deliciosa refeição, sem culpas.

— Virtual é um local que imaginamos, algo que não podemos pegar, tocar. É lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer, criamos nossas fantasias, transformamos o mundo em quase como queríamos que ele fosse.

— Legal isso. Adoro!

— Menino, você entendeu o que é virtual?

— Sim, também vivo neste mundo virtual.

— Nossa! Você tem computador?

— Não, mas meu mundo também é desse jeito...virtual. Minha mãe trabalha, fica o dia todo fora, só chega muito tarde, quase não a vejo. Eu fico cuidando do meu irmão pequeno que chora de fome e eu dou água para ele imaginar que é sopa. Minha irmã mais velha sai todo dia, diz que vai vender o corpo, mas não entendo pois ela sempre volta com o corpo. Meu pai está na cadeia há muito tempo, mas sempre imagino nossa família toda junta em casa, muita comida, muitos brinquedos, ceia de Natal, e eu indo ao colégio para virar médico um dia.
Isso é virtual, não é tia?


OBS da autora: Esta crônica consta de meu livro preTextos, editora all print. Registrada na biblioteca nacional desde junho de 2003, circula na net com autoria desconhecida.Deixei a data em que foi publicada esta crônica no site Recanto e a obs que eu já tinha posto. Ela está em 34 sites desde março de 2004, em 2 livros impressos no papel. Também foi publicada em revistas e consta de meu e-book Eu & a Net.Possui 32 versões em pps. Em 6 vem com minha autoria. Nas demais foi retirada.Utopia minha, mas sempre sonharei com um mundo mais justo, onde filhos possuam pais e prosas & poesias... Autorias.
Obrigada a quem divulgar minha autoria.

Rosa Pena

Um comentário:

  1. Márcia.."se todos fossem iguais a você" seria maravilhoso o exercício de bem conviver! Um grande beijo e muito obrigada.Rosa Pena

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